A pior crise, cuidado!, pode ser a de imagem.
E, por isso, seu RP nunca foi tão importante
Luis Claudio Allan (*)
No último dia 22, o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, pediu desculpas em entrevista para TV italiana RAI por ter apoiado e compartilhado o vídeo, menos de um mês antes, da campanha #milanononsiferma, defendendo que a cidade italiana não podia parar por causa do coronavírus. O incentivo ao não isolamento foi desastroso, levando a capital da Lombardia a se tornar uma das mais atingidas do País pela disseminação do Covid-19.
Nosso presidente Jair Bolsonaro também recebeu uma enxurrada de críticas e perdeu o apoio de importantes aliados ao seguir a mesma linha em discurso no dia 24 em rede aberta de televisão. Mesmo assim, segue defendendo a mesma tese e no fechamento deste texto soube que o Twitter apagou dois de seus posts por violação de regras da rede.
O quanto de seu cacife político será comprometido ainda é cedo para dizer, inclusive por ter ao seu lado uma ala do empresariado que se mostra indiferente a ver caminhões carregando centenas de caixões, mas é bem provável que muitos de seus eleitores troquem de panelas por temer a inevitável escalada da pandemia já anunciada pelas autoridades sanitárias e que vem se confirmando nos últimos dias.
Antes de prosseguir, tomo a cautela de ressaltar que, negrito, este não é um artigo com conotação política. Como já foi muito bem dito, não é hora de politizar e sim de somar esforços, não importa se vindos da direita, do centro ou da esquerda. A questão que trago aqui é puramente de comunicação, mais especificamente de Relações Públicas. Em tempos de crise como a que estamos atravessando, sugiro que se atentem bem a isso, o(a) profissional de RP ganha particular importância, seja para preservar ou reforçar sua marca pessoal ou institucional.
Esta é, indubitavelmente, a maior crise que já vivenciamos em séculos e sair atirando a esmo sem calcular quais consequências ela poderá trazer para imagem pessoal dos governantes, dos líderes das organizações e às próprias marcas pode ser o tiro de misericórdia. Por outro lado, será também a hora de mostrar quem, de fato, tem e pratica uma visão social autêntica, o que poderá pesar positivamente na balança frente a uma nova geração de consumidores que se engaja e dá muito mais valor àqueles legitimamente preocupados com seu papel social em sobreposição ao balanço financeiro, um quesito, boa notícia, cada vez mais levado em conta também pelos acionistas.
Apressados em firmar posição para tentar evitar uma grande quebradeira (ou minimamente uma perda considerável da lucratividade acompanhada de uma inevitável queda do PIB) decorrente da paralisação das atividades econômicas, alguns empresários foram sem pestanejar às redes sociais e à imprensa se pronunciar contra as duras medidas adotadas na quarentena para conter o avanço da doença.
Junior Durski, da rede Madero, foi apedrejado por milhares de seus seguidores ao declarar em vídeo no Instagram que “o Brasil não pode parar por conta de 5 mil ou 7 mil pessoas que vão morrer”, comparando os óbitos que serão causados pelo coronavírus aos números de mortes por homicídio ou desnutrição no País. Somente em seu próprio canal, o vídeo teve mais de 260 mil visualizações e 17 mil comentários, a maior parte espinafrando suas palavras impensadas.
Ao perceber o forte impacto negativo, Durski gravou outro vídeo pedindo desculpas, tal qual Giuseppe Sala, alegando ter sido mal interpretado. Tarde demais. Mesmo tendo recebido manifestações solidárias, o estrago já tinha sido feito e, ao reabrir suas lojas, é bem possível que os restaurantes do Madero percam a clientela que não cansou de compartilhar a hashtag #maderonuncamais.
Luciano Hang, das lojas Havan, também levantou a bandeira contra o lockdown e gravou mensagem ameaçando demitir 22 mil colaboradores, o que foi interpretado como uma forma de pressionar os políticos a relaxar a quarentena. Entre apupos e aplausos por sua postura e mesmo alegando que tem dinheiro para pagar todos os seus fornecedores para depois ir para praia, é certo que Hang, como todo empresário, não deseja a ruína, o suicídio do seu negócio.
Se mantiver as portas abertas, o megavarejista Hang poderá se juntar ao chapeiro Durski e amargar a fuga de clientes que viram nas suas palavras uma falta de respeito e um descaso total com a preservação de vidas humanas. Do outro lado do balcão, Luiza Helena Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza, defendeu em entrevista ao Estadão a manutenção de empregos. As redes sociais não perdoam e o resultado recebi por WhatsApp:
Quem você acha que irá ganhar mais pontos positivos no conceito dos consumidores?
Sempre haverá, claro, lovers e haters, mas esquecer-se que a imagem é o principal ativo de um negócio pode, sim, ser muito arriscado, um harakiri. Não tenho elementos para avaliar quem vai se sair melhor da crise financeiramente, mas digo sem medo que a Magalu deverá ter mais simpatizantes e ganhará maior respeito de seus fiéis (e quem sabe novos) consumidores se realmente atravessar a pandemia sem contribuir para o aumento do desemprego, que antes da chegada do vírus já atingia mais de 12 milhões de brasileiros.
Foram muitas as notícias também nos últimos dias de iniciativas de caráter social tomadas por grandes empresas, donas de grandes marcas, para ajudar no combate ao Covid-19. Apenas para registrar algumas, o McDonald´s doou lanche para hospitais. GOL e Latam cederam passagens aos profissionais da saúde.
A Ambev fabricou centenas de milhares de frascos de álcool em gel para abastecer hospitais públicos - o mesmo fizeram Diageo e Pernod Ricard - e em parceria com o Hospital Albert Einstein e a Gerdau irá construir um hospital para tratar os infectados pelo SUS. A lojas Renner divulgou que irá destinar R$ 4,1 milhões para compra de insumos hospitalares.
Para ajudar os caminhoneiros a planejar suas viagens, a FreteBras lançou uma ferramenta colaborativa online gratuita que permitirá mapear a situação dos principais postos de combustível em todo o Brasil. Através de um site, os motoristas conseguem consultar a situação dos postos mapeados e informar as condições de um novo posto que não consta na lista.
Há muitas outras ações em andamento que nos trazem uma certeza: as empresas que se posicionarem legitimamente do lado do bem estarão contribuindo para construção de uma nova economia, mais humana, pautada pela solidariedade, preocupada com a sustentabilidade e o cuidado com o planeta. Uma pena que tenhamos chegado até aqui para abrir nossos olhos do que temos feito das nossas vidas e com o mundo que deixaremos para as próximas gerações. Ressurgirão das cinzas os que entenderem quais são os reais valores que nossos descendentes irão considerar na hora de consumir e se relacionar com uma marca, principalmente depois que acordarmos deste pesadelo.
Quaisquer iniciativas de caráter social como estas, não importa o tamanho da empresa, certamente terão reflexos positivos no branding agora e quando a pandemia passar, desde que, evidente, não soem oportunistas. Se feitas com autenticidade e compaixão não há nada de errado, bem ao contrário, que sejam divulgadas em campanhas na mídia, nas redes sociais ou na imprensa; que, cabe ressaltar, tem desempenhado incansavelmente seu papel social de bem informar e vem dando o merecido espaço a quem faz o bem sem olhar a quem.
Afinal, as boas notícias trazem algum alento e, mais do que nunca, precisam ser veiculadas dando nome e sobrenome daqueles que, do fundo da alma e sem se preocupar apenas com a crise econômica, têm a coragem de abrir mão do lucro para cuidar de seus concidadãos. Aos que olharem apenas para o impacto financeiro de curto prazo, a conta poderá ficar bem mais salgada com a perda da confiança e da admiração dos consumidores. Podem ter certeza, para estes a pior crise será a de imagem.
Fica aqui o recado. Muito cuidado para não transformar pandemia em pandemônio por não ter planejado sua comunicação. Sua marca pode descer ao inferno em uma viagem sem escalas. Na hora da crise, antes de mais nada, lembre-se sempre: consulte um RP.
Este artigo foi publicado no Meio & Mensagem
(*) CEO da FirstCom Comunicação e da People2Biz e presidente do Instituto Crescer